segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Breve histórico da Educação no Campo:

Excertos extraídos de: HENRIQUES, Ricardo; MARRANGON, Antonio; DELAMORA, Micheli; CHAMUSCA, Adelaide (org.). Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Cadernos SECAD. Brasília: Ministério da Educação, 2007. (p. 10-12)

No âmbito das políticas públicas para a educação, pensava-se - e muitos pensam ainda - que o problema a ser resolvido para a educação das populações que vivem fora das cidades decorria apenas da localização geográfica das escolas e da baixa densidade populacional nas regiões rurais. Isso implicava, entre outras coisas, a necessidade de serem percorridas grandes distâncias entre casa e escola e o atendimento de um número reduzido de alunos, com conseqüências diretas nos gastos para a manutenção do então denominado ensino rural (p.10).

[...]

Na década de 60, a fim de atender aos interesses da elite brasileira, então preocupada com o crescimento do número de favelados nas periferias dos grandes centros urbanos, a educação rural foi adotada pelo Estado como estratégia de contenção do fluxo migratório do campo para a cidade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, em seu art. 105, estabeleceu que “os poderes públicos instituirão e ampararão serviços e entidades que mantenham na zona rural escolas capazes de favorecer a adaptação do homem ao meio e o estímulo de vocações profissionais” (p.11).

O mesmo enfoque instrumentalista e de ordenamento social veio a caracterizar a formação de técnicos para as atividades agropecuárias. Em meados da década de 1960, por ocasião da implantação do modelo Escola-Fazenda no ensino técnico agropecuário, os currículos oficiais foram elaborados com enfoque tecnicista para atender ao processo de industrialização em curso (p.11).

No mesmo período, ocorreu um vigoroso movimento de educação popular. Protagonizado por educadores ligados a universidades, movimentos religiosos ou partidos políticos de orientação de esquerda. Seu propósito era fomentar a participação política das camadas populares, inclusive as do campo, e criar alternativas pedagógicas identificadas com a cultura e com as necessidades nacionais, em oposição à importação de idéias pedagógicas alheias à realidade brasileira. (RIBEIRO, 1993, p.171 apud HENRIQUES, MARRANGON, CHAMUSCA, 2007, p.11).

Em 1964, com a instauração do governo militar, as organizações voltadas para a mobilização política da sociedade civil – entre elas o Centro Popular de Cultura (CPC), criado no ano de 1960 em Recife-PE; os Centros de Cultura Popular (CCP), criados pela União Nacional dos estudantes em 1961 e o Movimento Eclesial de Base (MEB), órgão da Confederação Geral dos Bispos do Brasil – sofreram um pesado processo de repressão política e policial. Essa repressão resultou na desarticulação e na suspensão de muitas dessas iniciativas (p.11).

Ao mesmo tempo em que reprimiu os movimentos de educação popular, o governo militar, diante da elevada taxa de analfabetismo que o país registrava, buscando atingir resultados imediatamente mensuráveis, instituiu o Movimento Brasileiro de Alfabetização – Mobral, o qual se caracterizou como uma campanha de alfabetização em massa, sem compromisso com a escolarização e desvinculada da escola (p.11).

No processo de resistência à ditadura militar, e mais efetivamente a partir de meados da década de 1980, as organizações da sociedade civil, especialmente as ligadas à educação popular, incluíram a educação do campo na pauta dos temas estratégicos para a redemocratização do país. A idéia era reivindicar e simultaneamente construir um modelo de educação sintonizado com as particularidades culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos camponeses (p.11).

Nesse ambiente político, aliando mobilização e experimentação pedagógica, passam a atuar juntos sindicatos de trabalhadores rurais, organizações comunitárias do campo, educadores ligados à resistência à ditadura militar, partidos políticos de esquerda, sindicatos e associações de profissionais da educação, setores da igreja católica identificados com a teologia da libertação e as organizações ligadas à reforma agrária, entre outras. O objetivo era o estabelecimento de um sistema público de ensino para o campo, baseado no paradigma pedagógico da educação como elemento de pertencimento cultural (p.12).

Destacam-se nesse momento as ações educativas do Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e do Movimento Eclesial de Base (MEB) (p.12).

Outras iniciativas populares de organização da educação para o campo são as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs) e os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFAs). Essas instituições, inspiradas em modelos franceses e criadas no Brasil, a partir de 1969, no Estado do Espírito Santo, associam aprendizado técnico com o conhecimento crítico do cotidiano comunitário. A proposta pedagógica, denominada Pedagogia da Alternância, é operacionalizada a partir da divisão sistemática do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente familiar. (p.12)

Pedagogia da Alternância in: MOLINA, Mônica Castagna (org.) Educação do Campo e Pesquisa. Questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006 p.78.

O movimento das escolas rurais em regime de alternância nasceu em 1935, a partir da iniciativa de três agricultores e de um padre de um pequeno vilarejo da França que prestaram atenção na insatisfação sentida pelos adolescentes, demonstrando atenção para com o meio em que viviam desejando promovê-lo e desenvolvê-lo.

Na França a experiência é denominada de Maison Familiale Rurale (MFR). Na Espanha e na Itália é denominada Escola Família Agrícola (EFA). O sistema pedagógico da alternância, no Brasil, teve seu início no Espírito Santo, em 1968, nível de Unefab, que congrega as Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) e em 1986, no Paraná, a nível de Arcafar, que congrega as Casas Familiares Rurais (CFRS).

Pensar uma proposta educacional em opção à educação formal foi uma necessidade frente à realidade rural de países como o Brasil. Os fatores que contribuíram para o surgimento da Pedagogia da Alternância, no Brasil, tiveram relação direta com a economia agrícola baseada na produção de subsistência. A falta de conhecimento de técnicas alternativas para preservação ambiental, o rápido processo de desmatamento, o uso do fogo de modo indevido, preparo do solo inadequado, uso intensivo de agrotóxicos, baixo uso de práticas conservacionistas nas áreas de cultivos e predominância da monocultura fizeram com que as famílias rurais ficassem em situação precária, comprometendo o acesso de crianças, adolescentes e jovens à escola formal. A situação se agravou devido à falta de políticas públicas para atender a grande demanda presente no campo. A Pedagogia da Alternância veio, então, possibilitar que a freqüência à escola pudesse ser uma realidade também para quem vive fora dos centros urbanos.

No Brasil, ao conjunto de EFAs e CFRs convencionou-se chamar CEFFAs – Centros Familiares de Formação por Alternância. Hoje, o Brasil conta com 239 Educação do Campo
Centros Familiares, distribuído em 19 estados da federação, envolvendo mais de 800 municípios e atendendo, atualmente, cerca de 20 mil jovens, filhos de agricultores familiares. Em três décadas de atuação, os Ceffas já formaram mais de 50 mil jovens.

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Atualmente a discussão sobre a educação no e do campo, tem envolvido grandes pesquisadores, entre eles podemos destacar: Mônica Castagna Molina, doutora em desenvolvimento sustentável. Coordenadora nacional do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA. Professora pesquisadora da Univesidade de Brasília; Miguel González Arroyo, Pós-Doutor Universidad Complutense – Madrid/Espanha. Professor Titular e Professor Emérito da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais; Roseli Salete Caldart, doutora em educação pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul. Atualmente é assessora pedagógica do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária e coordena o curso de Licenciatura em Educação do Campo, parceria Iterra-UnB-MEC. Também podemos citar: Paulo Freire (1921-1997) defendia a idéia de uma educação libertária, onde a pedagogia critica era essencial. Milton Santos (1926-2001) foi geógrafo e apresentou muitas discussões acerca da globalização e de conceitos sobre espaço e território.

A educação no campo e a Constituição Brasileira

Excertos extraídos de: HENRIQUES, Ricardo; MARRANGON, Antonio; DELAMORA, Micheli; CHAMUSCA, Adelaide (org.). Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Cadernos SECAD. Brasília: Ministério da Educação, 2007. (p.15-17)

Somente a partir da Constituição de 1988 foi que a legislação brasileira relativa à educação passou a contemplar as especificidades das populações identificadas com o campo. Antes disso, a educação para essas populações foi mencionada apenas para propor uma educação instrumental, assistencialista ou de ordenamento social. O termo assistencialismo é aqui utilizado em contraponto à assistência social.

Na Assistência Social, procura-se garantir áqueles que se encontram em situação de fragilidade as condições para que alcancem os seus direitos, a começar pelo direito ao amparo. Parte-se do princípio que os segmentos desfavorecidos são igualmente titulares de direitos e que esses direitos lhes têm sido sonegados. [...] Já o assistencialismo, ao praticar a atenção às populações desfavorecidas, oferece a própria atenção como uma ‘ajuda’, vale dizer: insinua, em uma relação pública, os parâmetros de retribuição de favor que caracterizam as relações na esfera privada. É pelo valor da ‘gratidão’ que os assistidos se vinculam ao titular das ações de caráter assistencialista. O que se perde aqui é a noção elementar de que tais populações possuem o direito ao amparo e que, portanto, toda iniciativa pública, voltada ao tema da assistência caracteriza dever do Estado”. (ROLIM, Marcos. Crônicas. Assistência Social e Assistencialismo. Disponível em: http://www.rolin.com.br/cronic5.htm. Acesso em: 25/01/2007.) apud. apud HENRIQUES, MARRANGON, CHAMUSCA, 2007, (p.15)

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A Constituição de 1988 é um marco para a educação brasileira porque motivou uma ampla movimentação da sociedade em torno da garantia dos direitos sociais e políticos, dentre eles o acesso de todos os brasileiros à educação escolar como uma premissa básica da democracia. Ao afirmar que “o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo” (Art. 208), ergueu os pilares jurídicos sobre os quais viria a ser edificada uma legislação educacional capaz de sustentar o cumprimento desse direito pelo Estado brasileiro. No bojo desse entendimento, a educação escolar do campo passa a ser abordada como segmento específico, prenhe de implicações sociais e pedagógicas próprias (p.16).

A LDB de 1996 reconhece, em seus arts. 3º, 23, 27 e 61, a diversidade sociocultural e o direito à igualdade e à diferença, possibilitando a definição de diretrizes operacionais para a educação rural sem, no entanto, romper com um projeto global de educação para o país. A idéia de mera adaptação é substituída pela de adequação, o que significa levar em conta, nas finalidades, nos conteúdos e na metodologia, os processos próprios de aprendizado do estudante e o que é específico do campo. Permite, ainda, a organização escolar própria, a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas (p.16).

Por meio da Emenda Constitucional nº 14 e da Lei nº 9.424/1996, foi instituído o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef). Esse fundo acelerou o processo de universalização do acesso ao ensino fundamental, redistribuindo recursos financeiros para o financiamento dessa modalidade de ensino em todo o país. Esses recursos variam em função do número de alunos efetivamente matriculados em cada sistema de ensino, definindo valores diferenciados para as modalidades em que os gastos são maiores, o que beneficiou a educação nas escolas localizadas em zonas rurais, mas não o suficiente para reverter o quadro de abandono em que estas se encontravam (p.17).

Em 2001, foi promulgado o Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001), o qual, embora estabeleça entre suas diretrizes o “tratamento diferenciado para a escola rural”, recomenda, numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do ensino em séries, a extinção progressiva das escolas unidocentes e a universalização do transporte escolar. Observe-se que o legislador não levou em consideração o fato de que a unidocência em si não é o problema, mas sim a inadequação da infra-estrutura física e a necessidade de formação docente especializada exigida por essa estratégia de ensino (p.17).

Por outro lado, a universalização do transporte escolar, sem o necessário estabelecimento de critérios e princípios, gerou distorções, tais como: o fechamento de escolas localizadas nas áreas rurais e a transferência de seus alunos para escolas urbanas; o transporte de crianças e adolescentes em veículos inadequados e sucateados; e a necessidade de percorrer estradas não pavimentadas e perfazer trajetos extremamente longos (p.17).

Finalmente, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo, aprovadas também em 2001 pelo Conselho Nacional de Educação, representam um importante marco para a educação do campo porque contemplam e refletem um conjunto de preocupações conceituais e estruturais presentes historicamente nas reivindicações dos movimentos sociais. Dentre elas o reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas de organização da escola, a adequação dos conteúdos às peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais (p.17).

Especificidade na educação no campo.

Excertos extraídos de: FERNANDES, Bernardo Mançano. Os Campos da Pesquisa em Educação no Campo: espaço e território como categorias essenciais. in MOLINA, Mônica Castagna (org.) Educação do Campo e Pesquisa. Questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006 (p.27-39)

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O conceito Educação do Campo não existia há doze anos. E neste evento estamos debatendo a pesquisa em Educação do Campo. O que aconteceu nesse tempo que possibilitou a construção desta realidade? Uma parte importante desta história está registrada em teses, dissertações, livros e relatórios de pesquisa. A coleção “Por uma Educação do Campo” é uma referência importante para entender esta construção. Para compreender a origem deste conceito é necessário salientar que a Educação do Campo nasceu das demandas dos movimentos camponeses na construção de uma política educacional para os assentamentos de reforma agrária. Este é um fato extremamente relevante na compreensão da história da Educação do Campo. Dessa demanda também nasceu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e a Coordenação Geral de Educação do Campo. As expressões Educação na Reforma Agrária e Educação do Campo nasceram simultaneamente, são distintas e se complementam. A Educação na Reforma Agrária refere-se às políticas educacionais voltadas para o desenvolvimento dos assentamentos rurais. Neste sentido, a Educação na Reforma Agrária é parte da Educação do Campo, compreendida como um processo em construção que contempla em sua lógica a política que pensa a educação como parte essencial para o desenvolvimento do campo (p.28).

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O campo pode ser pensado como território ou como setor da economia. O significado territorial é mais amplo que o significado setorial que entende o campo simplesmente como espaço de produção de mercadorias. Pensar o campo como território significa compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana (p.28).

O conceito de campo como espaço de vida é multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de mercadorias. A economia não é uma totalidade, ela é uma dimensão do território... É impossível explicar o território como um setor de produção, por mais dominantes que sejam as relações que determinam o modo de produção. Educação, cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado etc., são relações sociais constituintes das dimensões territoriais. São concomitantemente interativas e completivas. Elas não existem em separado. A educação não existe fora do território, assim como a cultura, a economia e todas as outras dimensões (p.29).

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Estas definições de espaço e território são novas e não são encontradas nos manuais de geografia tradicional. A construção conceitual vem sendo realizada com base na realidade formada pela conflitualidade entre os diferentes territórios das classes sociais que ocupam o campo como espaço de vida e de produção de mercadorias. Por esta razão apresentamos nesta parte nossos ensaios com as definições de espaço e território. É importante esclarecer que território é espaço geográfico, mas nem todo espaço geográfico é território. Lembrando que território é um tipo de espaço geográfico, há outros tipos como lugar e região. Também é importante lembrar que território não é apenas espaço geográfico, também pode ser espaço político. Os espaços políticos diferem dos espaços geográficos em forma e conteúdo. Os espaços políticos, necessariamente, não possuem área, mas somente dimensões. Podem ser formados por pensamentos, idéias ou ideologias (p.31).

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O espaço geográfico contém todos os tipos de espaços sociais produzidos pelas relações entre as pessoas, e entre estas e a natureza, que transformam o espaço geográfico, modificando a paisagem e construindo territórios, regiões e lugares. Portanto, a produção do espaço acontece por intermédio das relações sociais, no movimento da vida, da natureza e da artificialidade, principalmente no processo de construção do conhecimento (p.32).

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As relações são formadoras dos sistemas de ações e de objetos, que de acordo com Milton Santos são contraditórios e solidários. As relações sociais são predominantemente produtoras de espaços fragmentados, divididos, unos, singulares, dicotomizados, fracionados, portanto, também conflitivos. A produção de fragmentos ou frações de espaços é resultado de intencionalidades das relações sociais, que determinam as leituras e ações propositivas que projetam a totalidade como parte, ou seja, o espaço em sua qualidade completiva é apresentado somente como uma fração ou um fragmento. Essa determinação é uma ação propositiva que interage com uma ação receptiva e a representação do espaço como fração ou fragmento se realiza. Assim, a intencionalidade determina a representação do espaço. Constitui-se, portanto, numa forma de poder, que mantém a representação materializada e ou imaterializada do espaço, determinada pela intencionalidade e sustentada pela receptividade. Sem essa relação social o espaço como fração não se sustenta (p.32).

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As relações sociais, por sua diversidade, criam vários tipos de territórios, que são contínuos em áreas extensas e ou são descontínuos em pontos e redes, formados por diferentes escalas e dimensões. Os territórios são países, estados, regiões, municípios, departamentos, bairros, fábricas, vilas, propriedades, moradias, salas, corpo, mente, pensamento, conhecimento. Os territórios são, portanto, concretos e imateriais. O espaço geográfico de uma nação forma um território concreto, assim como um paradigma forma um território imaterial. O conhecimento é um importante tipo de território, daí a essencialidade do método. Para a construção de leituras da realidade é fundamental criar métodos de análise, que são espaços mentais (imateriais) onde os pensamentos são elaborados. Para um uso não servil dos territórios dos paradigmas é necessário utilizar-se da propriedade do método (p.34).

Movimentos sociais do campo

Excertos extraídos de: SILVA, Maria do Socorro. Da raiz a flor: produção pedagogia dos movimentos sociais e a escola do campo in: MOLINA, Mônica Castagna (org.) Educação do Campo e Pesquisa. Questões para reflexão. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006 (p.60-90)


Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST (O MST teve sua gestação no período de 1979 a 1984, e foi criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que aconteceu de 21 a 24 de janeiro de 1984), junto com a luta pela terra, pela reforma agrária traz a reivindicação pela Escola nos assentamentos rurais. As diferentes experiências educativas que começaram a ser desenvolvida pelo movimento como: ciranda infantil, escolas itinerantes, alfabetização e escolarização de jovens e adultos pelo Pronera, a formação continuada dos educadores (as) do movimento e a formação política dos militantes, inclusive com a construção de centros de formação, como por exemplo, Iterra, Instituto Florestan Fernandes, foram constituindo um movimento pedagógico de Educação do Campo em nosso país contribuindo com princípios político-metodológicos para o debate nacional sobre a escola do campo. Na concepção do movimento expressa em diferentes documentos: “Os Sem-Terra se educam no movimento da luta social e da organização coletiva de que são sujeitos, e que os produz como sujeitos”(Caldart, 2000), portanto, o movimento desempenha um papel importante no processo formativo dos seus militantes, na constituição de valores e de uma ética libertadora e militante - informações disponíveis no acervo do Mst (p. 81).

Movimentos indígenas (criados a partir de 1989), as organizações indígenas têm sido protagonistas de significativas rupturas nas lutas de resistência e de afirmação pelo direito à terra e à vida. A terra é condição de vida e de realização plena da cultura de cada povo indígena. As lutas sociais levadas a efeito pelos povos indígenas, historicamente associaram reivindicações econômicas básicas, como as da defesa e demarcação de suas terras, àquelas relacionadas à afirmação de suas identidades, como o direito de aprender e expressar-se em suas línguas maternas e cultivar, inclusive na escola, seus valores e tradições. A contribuição das comunidades indígenas para a elaboração de políticas educacionais que resgatem a especificidade dos sujeitos dentro das políticas universais foi de fundamental importância para a implementação na prática do que estava previsto na LDB em seu artigo 28. A luta por políticas públicas que garantam o desenvolvimento de uma educação pluricultural, multiétnica, específica e diferenciada a partir do projeto político pedagógico de cada comunidade (p. 82).

Movimento Nacional dos Pescadores - Monape (criado em 1988), as organizações de pescadores trazem para a discussão política uma redefinição territorial do espaço, estendendo para o mundo das águas, onde os territórios são lugares nomeados, demarcados e movidos pelo pescado e não pelo pescador. Contribuindo para um redimensionamento do contexto da educação não ser centrada apenas na terra e na agricultura, mas na territorialidade pesqueira, nas águas e em outros sujeitos sociais (p. 82).

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, (criado em 1988) evidenciam no país a necessidade de discutir o modelo energético em curso, a água como patrimônio da humanidade, a integridade ambiental dos rios, da fauna, da flora como elementos fundamentais para se pensar um projeto de desenvolvimento nacional e internacional. Trazem para a luta uma forte simbologia do meio ambiente como formadora dos seres humanos. Um sentimento profundo de amor à natureza e à preservação da vida e do planeta (Fonte: Documentos do Movimento) (p. 83).

Coordenação Nacional dos Quilombolas – Conaq, unidos pela força da identidade étnica, os quilombolas construíram e defendem um território que vive sob constante ameaça de invasão. Realidade que revela como o racismo age no país. Impede que negros tenham o direito à propriedade, mesmo sendo eles os donos legítimos das terras herdadas dos seus antepassados: negros que lutaram contra a escravidão e formaram territórios livres. Mas ainda hoje, os descendentes diretos de Zumbi dos Palmares, símbolo máximo da luta do povo negro por liberdade, travam no dia-a-dia um embate pelo direito à terra, pela preservação de sua cultura, pelo acesso às políticas públicas. Esse movimento traz a dimensão de etnia para a discussão da Educação do Campo, evidenciando que além da dimensão de classe camponesa, as identidades construídas pelas modulações humanas de etnia, raça, gênero, geração são fundamentais para resgatar a complexidade da realidade rural em nosso país (p. 83).

Conselho Nacional de Seringueiro – CNS (criado em1985): O reconhecimento das ações e da importância do CNS para o futuro das populações extrativistas da Amazônia produziram uma grande ampliação na sua base social de representação. Além dos seringueiros e coletores de castanhas estão representados: trabalhador agro extrativistas, açaizeiros, cupuaçueiros, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agro florestais, ribeirinhos, extratores de óleos e plantas medicinais. Suas lutas pelo não-pagamento da renda, contra a sujeição dos marreteiros e seringalistas, de resistência ao desmatamento, por meio das grandes mobilizações conhecidas como “empates”, colocaram na cena nacional e internacional a luta ecológica e a preservação da floresta como fonte de vida de todos os seres vivos. Esse movimento tem contribuído com o movimento pedagógico para modificar as relações entre o ser humano e a natureza, no debate sobre o modelo de desenvolvimento em curso em nosso país, e o papel que a escola pode desempenhar na formação do ser humano para um projeto de sociedade economicamente justo, com eqüidade social e ecologicamente sustentável (p. 83-84).

Movimentos de agricultores (as) e trabalhadores (as) rurais (surgiram a partir de 1963): organizações que têm resgatado o papel da agricultura familiar dentro da sociedade e sua importância na construção de um modelo de desenvolvimento para o país. Suas lutas e reivindicações por políticas públicas sociais, agrícolas e agrárias têm introduzido mudanças significativas na pauta política do país. Ao longo de sua existência têm realizado trabalho de formação política com suas lideranças em diferentes áreas: políticas sociais, direitos trabalhista, meio ambiente, política agrícola, reforma agrária, gênero, etc., com a construção de centros de formação e escolas sindicais que coordenam suas políticas de formação. Embora estas entidades centrem suas lutas de educação escolar numa política pública de educação, na construção de um sistema público de ensino que reconheça a especificidade do campo, também desenvolvem ações de alfabetização e escolarização pelo Pronera, experiências de formação profissional como forma de cidadania ativa e desenvolvimento do ser humano, tais como: Projeto Vento Norte, Terra Solidária, Programa de Desenvolvimento Local Sustentável (PDLS), o Programa Todas as Letras, etc. (p. 84).

Movimentos de mulheres trabalhadoras rurais: a luta das mulheres por igualdade de condições de participação, de direitos e de oportunidades começou desde as primeiras organizações do campo no Brasil. Os movimentos de mulheres se especificam em relação a outros movimentos ao proporem uma nova articulação entre a política e a vida cotidiana, entre esfera privada (a casa no rural é também relação com a terra, a natureza), esfera social (repensar os papéis dentro da família, da sociedade, da produção atribuída a cada sexo) e esfera pública (sair da invisibilidade que são colocadas pelas políticas agrícolas e agrárias e participação dos espaços de decisão das políticas). A reivindicação por terra, água, salário mínimo digno, direito à saúde pública com assistência integral à mulher e combate à violência sexista e todas as formas de violência no campo são as principais bandeiras assumidas pelas diferentes organizações de trabalhadoras rurais (p. 85).

Elementos da identidade das escolas do campo

Texto extraído de: RAMOS, Marise Nogueira; MOREIRA, Telma Maria; SANTOS, Clarice Aparecida (coord.). Referência para uma política nacional de educação no campo: caderno de subsídios. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo, 2004.
O texto não apresenta formatação de páginas.

A própria diretriz operacional já explicita a identidade da escola do campo, não circunscrita apenas a um espaço geográfico, mas vinculada aos povos do campo, seja os que vivem no meio rural, seja os que vivem nas sedes dos 4.485 municípios rurais do nosso país. Assim, a identidade da escola do campo é definida a partir dos sujeitos sociais a quem se destina: agricultores/as familiares, assalariados/as, assentados/as, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas, pescadores, indígenas, remanescentes de quilombos, enfim, todos os povos do campo brasileiro.

Essa concepção está expressa no parecer das Diretrizes e tem sua identidade definida no art. 2º, § único das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, ao afirmar que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes a sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.

Portanto, a identidade da Educação do campo definida pelos seus sujeitos sociais deve estar vinculada a uma cultura que se produz por meio de relações mediadas pelo trabalho, entendendo trabalho como produção material e cultural de existência humana. Para isso, a escola precisa investir em uma interpretação da realidade que possibilite a construção de conhecimentos potencializadores, de modelos de agricultura, de novas matrizes tecnológicas, da produção econômica e de relações de trabalho e da vida a partir de estratégias solidárias, que garantam melhoria da qualidade de vida dos que vivem e sobrevivem no e do campo.

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Uma educação que supere a dicotomia entre rural e urbano – já superamos a idéia de que é preciso destituir a cidade para o campo existir, e vice-versa. O campo e a cidade são dois espaços que possuem lógicas e tempos próprios de produção cultural, ambos com seus valores. Não existe um espaço melhor ou pior, existem espaços diferentes que coexistem. No entanto, fica evidente a histórica ausência de políticas públicas que considerem na sua formulação e implementação, as diferenças entre campo e cidade, no sentido de que a vida em ambos os meios se tece de maneira distinta e que políticas “universalistas”, baseadas em um parâmetro único (e geralmente urbanizado), que não se aproxima das necessidades, potenciais saberes e desejos dos que vivem no campo, acabam por reproduzir a desigualdade e a exclusão social, distanciando cada vez mais os sujeitos do campo do exercício de sua cidadania.

Uma educação que afirme relações de pertença ao mesmo tempo diferenciadas e abertas para o mundo - o sentimento de pertença é o que vai criar o mundo para que os sujeitos possam existir, uma vez que a condição para o desenvolvimento das suas competências e dos seus valores é a pertença a um lugar. É a partir dele que o ser humano elabora a sua consciência e o seu existir neste mundo. Pertencer significa se reconhecer como integrante de uma comunidade e um sentimento que move os sujeitos a defender as suas idéias, recriar formas de convivência e transmitir valores de geração a geração.

Ao lutar pelo direito a terra, à floresta, à água, à alimentação e à educação, os sujeitos vão recriando as suas pertenças, reconstruindo a sua identidade com a terra e com a sua comunidade. Esta é uma característica própria dos sujeitos do campo, não excludente, mas de afirmação, porque os sentimentos dos que vivem na e da terra com todo o ecossistema não são os mesmos para os que vivem na cidade.

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Vejamos algumas dessas raízes que fundamentam a escola do campo.

I) O Princípio Pedagógico do papel da escola enquanto formadora de sujeitos articulada.

A um projeto de emancipação humana A educação do campo deve compreender que os sujeitos possuem história, participam de lutas sociais, sonham, têm nomes e rostos, lembranças, gêneros, raças e etnias diferenciadas. Cada sujeito individual e coletivamente se forma na relação de pertença à terra e nas formas de organização solidária. Portanto, os currículos precisam se desenvolver a partir das formas mais variadas de construção e reconstrução do espaço físico e simbólico, do território, dos sujeitos, do meio ambiente. O currículo precisa incorporar essa diversidade, assim como precisa tratar dos antagonismos que envolvem os modelos de agricultura, especialmente no que se refere ao patenteamento das matrizes tecnológicas e à produção de sementes. Incorporar não somente ao currículo, mas ao cotidiano da escola, a cultura da justiça social e da paz é tarefa fundamental para um projeto político de educação do campo que se pretenda emancipatório.

Políticas de educação como formação humana pauta-se pela necessidade de estimular os sujeitos da educação em sua capacidade de criar com outros um espaço humano de convivência social desejável. A formação humana é todo o processo educativo que possibilita ao sujeito constituir-se enquanto ser social responsável e livre, capaz de refletir sobre sua atividade, capaz de ver e corrigir os erros, capaz de cooperar e de relacionar-se eticamente, porque não desaparece nas suas relações com o outro. Portanto, a educação como formação humana é também uma ação cultural.

Esse processo que engloba conhecimentos, atitudes, valores e comportamentos construídos no processo educativo deve refletir-se também na dimensão institucional de forma permanente e sistemática e deve atravessar toda a vida escolar e, portanto, também o processo avaliativo. Este, por sua vez, precisa considerar os saberes acumulados pelas experiências de vida dos educandos e educandas e constituir-se instrumento de observação da necessidade a partir dos quais estes saberes precisam ser ampliados. Não apenas os saberes, mas a própria dinâmica da realidade onde está enraizado este processo, do contrário torna-se inválido o princípio determinante da escola vinculada à realidade dos sujeitos.

II) O Princípio Pedagógico da valorização dos diferentes saberes no processo educativo.

Conhecimento, todas as pessoas possuem e podem construir. Sendo assim, a escola precisa levar em conta os conhecimentos que os pais, os/as alunos/as, as comunidades possuem, e resgatá-los dentro da sala de aula num diálogo permanente com os saberes produzidos nas diferentes áreas de conhecimento. Tais conhecimentos precisam garantir elementos que contribuam para uma melhor qualidade de vida. Os vários saberes não têm fins em si mesmo, eles são instrumentos para intervenção e mudança de atitudes dos vários segmentos neste processo de renovação.

Os elementos que transversalizam os currículos nas escolas do campo são a terra, o meio ambiente e sua relação com o cosmo, a democracia, a resistência e a renovação das lutas e dos espaços físicos, assim como as questões sociais, políticas, culturais, econômicas, científicas e tecnológicas.

Os que vivem no campo podem e têm condições de pensar uma educação que traga como referência as suas especificidades para incluí-los na sociedade como sujeitos de transformação.
Para isso, o projeto educativo que se realiza na escola precisa ser do campo e no campo e não para o campo. Neste sentido, a pesquisa enquanto princípio metodológico não se coloca apenas como ferramenta de construção do conhecimento, mas como uma postura diante da realidade. Educando/a e educador/a precisam assumir essa postura com senso crítico, curiosidade e “questionamento reconstrutivo” (Pedro Demo) e, ao mesmo tempo, cultivar essa ferramenta como metodologia de ensino e aprendizagem. Pesquisa que deve envolver os sujeitos como sujeitos de saberes historicamente construídos, não necessariamente científicos, mas portadores de conteúdo socialmente útil e válido porque construído na interação entre seres humanos e entre ser humano e natureza, na busca de soluções para seus próprios problemas e desafios. A educação do campo deve considerá-la como instrumento de alto valor educativo, especialmente pela natureza rica e diversa de conhecimentos identificados no campo.

III) O Princípio Pedagógico dos espaços e tempos de formação dos sujeitos da Aprendizagem.

A Educação do Campo ocorre tanto em espaços escolares quanto fora deles. Envolve saberes, métodos, tempos e espaços físicos diferenciados. Realiza-se na organização das comunidades e dos seus territórios, que se distanciam de uma lógica meramente produtivista da terra e do seu próprio trabalho.

Portanto, não são apenas os saberes construídos na sala de aula, mas também aqueles construídos na produção, na família, na convivência social, na cultura, no lazer e nos movimentos sociais. A sala de aula é um espaço específico de sistematização, análise e de síntese das aprendizagens se constituindo assim, num local de encontro das diferenças, pois é nelas que se produzem novas formas de ver, estar e se relacionar com o mundo.

IV) O Princípio Pedagógico do lugar da escola vinculado à realidade dos sujeitos.

Enquanto direito, a escola precisa estar onde os sujeitos estão, como assegura o artigo 6 das Diretrizes Operacionais ao instituir o regime de colaboração entre os entes federados na oferta de educação aos povos do campo: “O poder público, no cumprimento das suas responsabilidades com o atendimento escolar e à luz da diretriz legal do regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, proporcionará Educação Infantil e Ensino Fundamental nas comunidades rurais, inclusive para aqueles que não o concluíram na idade prevista, cabendo em especial aos Estados garantir as condições necessárias para o acesso ao Ensino Médio e à Educação Profissional de Nível Técnico”.

A escola do campo é uma concepção que está vinculada à realidade dos sujeitos, realidade esta que não se limita ao espaço geográfico, mas que se refere, principalmente, aos elementos socioculturais que desenham os modos de vida desses sujeitos.
Construir uma educação do campo significa pensar numa escola sustentada no enriquecimento das experiências de vida, obviamente não em nome da permanência, nem da redução destas experiências, mas em nome de uma reconstrução dos modos de vida, pautada na ética da valorização humana e do respeito à diferença. Uma escola que proporcione aos seus alunos e alunas condições de optarem, como cidadãos e cidadãs, sobre o lugar onde desejam viver. Isso significa, em última análise, inverter a lógica de que apenas se estuda para sair do campo.

V) O Princípio Pedagógico da educação como estratégia para o desenvolvimento.

Sustentável: Pensar a educação na relação com o desenvolvimento sustentável é pensar a partir da idéia de que o local, o território, pode ser reinventado através das suas potencialidades. Uma das formas de trazer à tona essas potencialidades está na revitalização da importância do coletivo como método de participação popular de gestão das políticas e das comunidades onde vivem. A radicalização da democracia reside na exigência da co-gestão e da soberania fundada em valores humanistas (solidariedade, justiça social, respeito à natureza e seus ciclos e movimentos).

A educação deve pensar o desenvolvimento levando em conta os aspectos da diversidade, da situação histórica particular de cada comunidade, os recursos disponíveis, as expectativas, os anseios e necessidades dos que vivem no campo. O currículo das escolas do campo precisa se estruturar a partir de uma lógica de desenvolvimento que privilegie o ser humano na sua integralidade, possibilitando a construção da sua cidadania e inclusão social, colocando os sujeitos do campo de volta ao processo produtivo com justiça, bem-estar social e econômico.

VI) O Princípio Pedagógico da autonomia e colaboração entre os sujeitos do campo e o sistema nacional de ensino.

Para implementar políticas públicas que fortaleçam a sustentabilidade dos povos do campo, os sujeitos devem estar atentos para o fato de que existem diferenças de ordem diversa entre os povos do campo. O campo é heterogêneo, muito diverso. Esta heterogeneidade possui duas implicações: a primeira é que não se pode construir uma política de educação idêntica para todos os povos do campo; a segunda, por ser heterogênea, deve ser articulada às políticas nacionais e estas às demandas e às especificidades de cada região ou de cada espaço ou território que se diferencia dos demais.

Isso inverte a relação entre poder público e os sujeitos sociais. Não cabe, nessa vertente, que o Poder Executivo decida sobre os destinos das comunidades, como também não cabem atitudes corporativas de grupos organizados na definição de prioridades. Uma política nacional de educação do campo exige uma nova postura dos sujeitos, de forma a que participem ativamente do processo, movidos pela preocupação com o lócus na relação com um projeto nacional. Neste sentido, adquire importância a ampla participação dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil na construção dos Planos Estaduais e Municipais, de modo que a identidade do campo na sua complexa diversidade e o compromisso com um projeto de desenvolvimento sustentável para o mesmo estejam intrinsecamente articulados aos projetos pedagógicos dos Estados e Municípios brasileiros.
Para que essas especificidades, que singularizam cada lugar, possam ser respeitadas e legitimadas, é necessário assegurar a aplicação do artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, relativas às propostas político pedagógicas dos Municípios e aos projetos pedagógicos das escolas, os quais deverão ser construídos mediante um processo coletivo e de ampla investigação da realidade.

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